segunda-feira, 5 de março de 2018

A REVITALIZAÇÃO DA JUTA/MALVA NO AMAZONAS: PELO RESGATE DA UTOPIA

Divulgo, abaixo, a íntegra do artigo de autoria do Dr. Aldenor da Silva Ferreira, especialista, com doutorado, na cadeia das fibras de juta e malva. É amazonense, de Parintins, atualmente é professor da UFMS. Concordo com todos os argumentos apresentados pelo ALDENOR. Este artigo já foi publicado no Jornal do Commercio (www.jcam.com.br)

A cadeia produtiva da juta/malva tem grande capacidade de geração de empregos no campo e na cidade. Especificamente no estado do Amazonas, a produção de fibras foi por um longo período a atividade responsável por expressivo percentual na formação da renda do estado, pois o valor de sua cultura representava 20% da renda do setor primário que empregava 51% da população amazonense deste setor, segundo dados do Instituto de Fomento à Produção de Fibras Vegetais da Amazônia (IFIBRAM) de 1976. Contudo, hoje, não queremos falar do passado, a importância desse setor já está registrada nos anais da história. Hoje, queremos falar do futuro, queremos apresentar aqui propostas para a solução dos problemas atuais dessa cadeia produtiva.
Uma das possibilidades para o crescimento da produção de juta e de malva na Amazônia seria a criação de demanda interna para os produtos confeccionados com essas fibras, como faz o estado indiano de Bengala Ocidental, que possui legislações específicas para a utilização de embalagens, leis que tornam obrigatória a utilização de sacos de juta para embalar as principais commodities produzidas no estado. Com a publicação do Essential Commodities Act, de 01 de abril de 1955 e a Jute Packaging Materials Act, de 9 de maio de 1987, produtos como açúcar, arroz, trigo, batatas, dentre outros, tem que ser embalados em sacos de juta. Mesmo com as mudanças na lei das commodities essenciais que ocorreram em 2012, que consistiu em uma flexibilização das porcentagens de obrigatoriedade do uso de sacos de juta para embalar determinados produtos, como o açúcar, por exemplo, que caiu de 100% para 90% de obrigatoriedade, essa proteção, por meio de legislação, ainda é muito importante para a indústria indiana de juta e, consequentemente, para os produtores também.

É preciso apostar na diversificação dos produtos por parte das indústrias, não se pode viver apenas da produção de sacarias. O governo e as indústrias de Bangladesh e de Bengala Ocidental já perceberam a necessidade dessa mudança e estão investindo em novos produtos, desenvolvendo novos tecidos e compostos de juta. Isso permitirá com que as indústrias não fiquem reféns da produção agrícola que, mesmo com todo avanço tecnológico dos últimos anos, ainda é bastante dependente das condições climáticas.
Por entendermos que não é prudente o abandono de uma atividade produtiva extremamente adaptada à várzea amazônica, e por termos a convicção, baseado em dados teóricos e empíricos de que as fibras de juta e malva são produtos de baixa entropia, produtos que geram externalidades positivas e com grande potencial de mercado, recomendamos:
1)      Providenciar o salvamento do material genético da juta, que está totalmente abandonado, ou quiçá, já perdido no município de Alenquer/PA. Se, porventura, no futuro, houver a necessidade destas sementes, já aclimatadas, não será possível efetuar a sua recuperação.
2)      Investimentos em C&T nas áreas de botânica, genética e química, visando ao melhoramento genético da juta e da malva; o desenvolvimento de novas técnicas de maceração controlada e descorticamento mecânico, visando no futuro, à montagem de pequenas centrais de produção de fibras feitas pelas próprias comunidades produtoras. 
3)      Ampliação das políticas públicas para o setor, como a subvenção, distribuição de sementes, garantia de compra da safra e preço mínimo;
4)      Estabelecimento de parcerias com órgãos indianos que desenvolvem pesquisas relacionadas ao melhoramento genético da cultura da juta e de outras plantas têxteis como Central Research Institute for Jute and Allied Fibres (CRIJAF) de Calcutá, visando ao desenvolvimento de outros produtos feitos a partir das fibras de juta e de malva ou com porcentagem delas adicionadas no processo;
5)      Melhoria dos dados estatísticos relacionados à cadeia produtiva, para que se possa ter números confiáveis a respeito da produção;
6)      Apoio irrestrito às Cooperativas locais;
7)      Políticas de proteção ao setor que visem diminuir ou impedir a importação de juta bruta e seus derivados, como leis antidumping;
8)      Manutenção e ampliação das políticas de Aquisição do Governo Federal (AGF).


Uma revitalização ampla do setor de aniagem no estado do Amazonas e Pará só poderá ser possível, se forem consideradas as experiências positivas e negativas do passado, estabelecendo um diálogo horizontal e vertical entre trabalhadores, empresários e governo, além de investimentos em tecnologias que eliminem ou reduzam ao máximo a parte do processo de trabalho feito dentro da água, que organize e diversifique a cadeia produtiva a partir, fundamentalmente, da abertura de novos mercados e desenvolvimento de novos produtos.  
Nesse processo, o Estado tem que ser o grande agente fomentador, como fez e faz há décadas o Estado indiano. É necessário, portanto, o resgate do modelo de agroindústria, como aquela que existiu em Parintins a partir da década de 1960 até a década de 1980. A Fabriljuta S.A. chegou a funcionar em três turnos, com cerca de 400 funcionários empregados diretamente. A cidade de Parintins viveu nesse período, uma realidade encontrada somente no Sul e Sudeste dos dias atuais, no que tange ao sistema de agroindústria.

Concluímos recomendando o resgate da utopia. Com efeito, utopia não no sentido do senso comum, que a define como algo inatingível, irrealizável, quimérico, mas no sentido dado pelo filosofo alemão Ernest Bloch (1885-1977). Para Bloch, a utopia não é algo irrealizável, quimérico, mas uma esperança. Esta por si só não garante o surgimento do novo, todavia deve ser baseada em um processo transformador, que ele identifica como o otimismo militante. O Novum, assim, deixa de ser algo puramente esperado, numa atitude cômoda de aguardar, mas é buscado com afinco, através do esforço construtor, por algo que valha realmente a pena fazer. Precisamos de um “esforço construtor” para o resgate da produção de fibras na Amazônia”.  

Aldenor da Silva Ferreira

Sociólogo. Professor Adjunto da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

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