quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Pesquisadores discutem propostas para atuação junto a Agricultura Familiar na Amazônia

Durante três dias pesquisadores de diversas instituições envolvidos com a temática da agricultura familiar na Amazônia, reunidos em Manaus (AM), analisaram o contexto atual e desafios sobre esse tema, verificando experiências, oportunidades e propostas para atuação em rede de pesquisa na região amazônica.  Os debates ocorreram de 20 a 22 de outubro, no Workshop Pesquisa e Agricultura Familiar, onde participaram pesquisadores de universidades e instituições de pesquisa do Amazonas, Pará, Roraima, Acre e Tocantins.
Fazendo uma síntese sobre as discussões, o pesquisador da Embrapa Amazônia Ocidental, Lindomar Silva, da coordenação do evento, disse que esse encontro levantou diversas inquietações para os pesquisadores possibilitando fundamentar uma agenda de pesquisa na região. "A gente conseguiu interagir com as diversas visões sobre agricultura familiar, inclusive esclarecendo cada vez mais como a agricultura familiar se organiza na Amazônia", disse.
Silva destaca que um dos aspectos ressaltados nas discussões, é que a agricultura familiar é heterogênea, diversificada, porém muitas vezes isso não é considerado nas políticas públicas, nem nas pesquisas. Embora se tenha avançado com políticas públicas para o segmento, há o entendimento de que estas políticas precisam ser adequadas para a agricultura na Amazônia e isso depende da organização social dos agricultores para terem ação mais efetiva junto ao poder público. Também foi destacado que não ocorreu na mesma proporção da organização política da agricultura familiar, o avanço da produção e da organização socioeconômica desse segmento. Segundo o coordenador, as análises e discussões realizadas no workshop vão permitir definir alguns direcionamentos práticos para pesquisas na região.


O workshop Pesquisa e Agricultura Familiar foi realizado em parceria pela Embrapa Amazônia Ocidental,  Fundação Amazônica de Defesa da Biosfera (FDB) e Núcleo de Socioeconomia da Universidade Federal do Amazonas (Nusec/Ufam). Contou com apoio da Universidade Estadual do Amazonas (UEA), Universidade Estadual do Pará (Uepa), Universidade Federal do Pará (UFPA) e  patrocínio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Além de expor 16 trabalhos de pesquisa e relatos de experiências junto à agricultura familiar na região, o evento trouxe quatro eixos temáticos para discussão:  A diversidade da agricultura familiar, seus atores sociais, políticas públicas e heterogeneidade foi o tema apresentado pelos pesquisadores Henrique Pereira (Ufam), Marize Duarte (UEPA) e Armando Lírio (UFPA).  O tema "Perspectiva Política e Teórica da Agricultura Familiar", foi discutido pelos pesquisadores Zander Navarro (Embrapa - Secretaria de Inteligência e Macroestratégia), Alexandre Rivas (Ufam) e Alfredo Homma (Embrapa Amazônia Oriental). "Diálogos Interdisciplinares para Compreensão da Realidade Amazônica" foi tema para as apresentações dos pesquisadores Sandra Noda (Ufam) e Romero Ximenes (UFPA). "Agricultura Familiar, Inovação, Desenvolvimento e Sustentabilidade" foi base para as exposições dos pesquisadores Gutemberg Guerra (UFPA) e Daniela Alves, da Universidade Federal de Viçosa (UFV).
O chefe-adjunto de Transferência de Tecnologia da Embrapa Amazônia Ocidental, Ricardo Lopes, destacou que a instituição vem fortalecendo o diálogo sobre Agricultura Familiar e lembrou que em 2014 foi realizado um seminário sobre o tema com a presença de várias instituições e agricultores, onde se discutiu prioridades e fortaleceu parcerias, e agora neste outro evento reúne para uma discussão com foco na reflexão teórica para orientar a prática do cotidiano.
Para o pesquisador Gutemberg Guerra, do Programa de Pós-graduação em Agriculturas Amazônicas, da UFPA, uma das contribuições do evento foi reunir pessoas com ideias diferentes para enriquecer os debates, confrontar suas próprias certezas, afinar as ideias com a realidade e dar subsídio para intervenções mais qualificadas  na sociedade e nas políticas públicas.
Desafios regionais diante da modernização do mundo rural
O pesquisador da Secretaria de Inteligência e Macroestratégia da Embrapa, Zander Navarro,  apresentou um panorama das transformações atuais da agricultura brasileira, que predomina nas grandes regiões produtoras, caracterizado pela especialização, monocultura,  esvaziamento do campo e intensificação tecnológica. "À luz dessa dinâmica nacional, como nos articulamos em estratégias de desenvolvimento regional?", questionou.  Navarro defende que as especificidades do desenvolvimento agrícola e agrário na região amazônica devem ser consideradas na construção de uma estratégia apropriada e diferenciada para região amazônica.
No cenário de modernização do mundo rural, Navarro destaca que cresce a tecnificação, o fio condutor é a produtividade e a agricultura é integrada a grandes mercados e globalizada. "A agricultura brasileira entrou numa fase em quem manda na organização da agricultura é o capital financeiro, e cada vez mais o capital financeiro privado comanda as regiões mais dinâmicas em agricultura", disse. O pesquisador esclarece que a tendência é esse quadro continuar em grandes regiões produtoras, pressionando pequenos agricultores fora desse modelo. Ele chama atenção que algumas regiões do Brasil tem dinâmica financeira e tecnológica na agricultura com posição de destaque mundial. Porém esse processo não é igual em todas as regiões do País, destaca ele. "A região amazônica em geral, e alguns estados como o Amazonas, tem ritmos de processos de transformação muito diferentes". Um exemplo dessa diferença é a dimensão das lavouras no Mato Grosso, com 5 mil hectares contínuos, enquanto na realidade do Amazonas não há lavouras com mais de 100 hectares e pouco mais de 90% dos estabelecimentos rurais são de agricultura familiar.
Na análise de Navarro, enquanto pequenos produtores estão cada vez mais ameaçados nas grandes regiões produtoras porque enfrentam concorrência cada vez mais acirrada, no Amazonas não sofrem a mesma pressão. Isso torna possível, segundo Navarro, criar estratégias de gerar prosperidade para pequenos produtores da Amazônia, a partir de inovações tecnológicas em menor escala e adequadas para a região, que possam melhorar as condições produtivas e de trabalho da agricultura familiar local, permitindo integrar sua produção em mercados locais e regionais em um processo gradual e ter reflexo em aumento de renda para as famílias rurais. Navarro cita como exemplo de pequenos incrementos de tecnologia, um trabalho da Embrapa no Amazonas, que permite ao agricultor, com adoção de algumas técnicas de manejo, fazer com que suas variedades tradicionais de mandioca aumentem o rendimento na produção de mandioca, em média, de 11 toneladas por hectare (T/ha) para 25 T/ha. "São passos modestos, mas que vão criar níveis de renda mais significativos para os produtores da região", afirma. Para desenvolver essas estratégias, é necessária maior articulação entre as instituições que trabalham com as famílias rurais, especialmente entre pesquisa, assistência técnica e extensão rural.
Em comentário sobre a necessidade de fortalecer a assistência técnica e extensão rural (Ater) no Amazonas, o técnico da  Companha Nacional de Abastecimento (Conab) Thomaz  Silva citou que a proporção técnico de Ater/agricultor  no estado varia de 1 técnico de Ater para 300 agricultores  até 1 técnico para mais de mil agricultores, dificultando o atendimento. Também destacou que o Amazonas apresenta um dos maiores índices de insegurança alimentar e nutricional, onde  mais de 350 mil famílias vivem em situação de extrema pobreza.
Agricultura diferenciada pode ser alternativa para Amazônia
O pesquisador da Embrapa Amazônia Oriental, Alfredo Homma, defende que uma grande oportunidade para os agricultores da Amazônia é investir em uma agricultura diferenciada com produtos da biodiversidade local e para isso é necessário colocar o foco das pesquisas nesse sentido.
Homma cita vários produtos da biodiversidade que tem mercado, mas a capacidade de oferta a partir do extrativismo está chegando ao limite. É o caso da castanha-do-brasil, tucumã e bacuri, entre outros. "Não podemos ficar dependendo da coleta extrativa, seria necessário plantar essas espécies, domesticá-las; a existência do modelo extrativo tende a prejudicar o produtor e o consumidor e médio e longo prazo", comentou. Cacau, seringueira, guaraná e cupuaçu são citados como mais exemplos de produtos nativos da Amazônia que tem mercado e os agricultores locais estão perdendo a oportunidade de ganhar com isso. Alguns desses produtos, inclusive, são cultivados com êxito fora da região onde não enfrentam problemas com doenças e pragas.
O pesquisador argumenta que, para fortalecer uma economia baseada na agricultura da biodiversidade, é necessário investir bastante em pesquisa técnica. "Muitas dessas soluções envolvem pesquisa de alta profundidade, em melhoramento genético e desenvolvimento de novas variedades, o que leva tempo", disse. "A solução para esses pequenos produtores vai depender essencialmente de tecnologia, assistência técnica e precisamos ter um forte aparato de pesquisa agrícola para apoiar isso".
Diante das restrições ambientais para a região amazônica, o pesquisador sugere investir em pesquisa para apoiar alternativas produtivas diferenciadas de outras regiões brasileiras e voltadas para abastecer os mercados locais, como frutas, hortaliças e peixes. "Isso seria um grande mercado para os pequenos produtores", considera. A piscicultura é sugerida como oportunidade para a região amazônica, pela quantidade de água disponível. "Enquanto 1 hectare de gado bovino leva dois anos para produzir  300 quilos de carne, 1 hectare de lâmina d´água pode produzir 16 toneladas de peixe em um ano", compara.
O pesquisador considera que produtos em comum com outras regiões do País, como milho, arroz e feijão, por exemplo, precisariam ter a produtividade intensificada em quatro vezes, para produzir mais em menos áreas, uma vez que é permitido utilizar apenas 20% da propriedade rural na região amazônica. Outro aspecto ressaltado é a organização dos agricultores. "Precisamos de uma revolução no aspecto produtivo para os pequenos produtores, é necessário que se organizem em cooperativas, procurem tecnificar  sua pequena produção, pois não vai ser possível desenvolver no cabo da enxada e do terçado, com escassez de mão de obra", comentou.
Abordagem transdisciplinar é importante para compreensão da realidade
Os pesquisadores Sandra Noda (Ufam) e Romero Ximenes (UFPA) apresentaram suas experiências de pesquisa na Amazônia, mostrando a importância do enfoque transdisciplinar. Noda expôs sobre trabalho transdisciplinar realizado por grupo de pesquisadores durante mais de 20 anos no Alto Solimões, envolvendo ações de organização comunitária, assessoramento participativo para segurança alimentar, etnoconservação, uso sustentável de recursos genéticos e educação. Ximenes é antropólogo e expôs suas experiências de pesquisa transdisciplinar no Pará, em que relaciona um produto alimentar (açaí, cumaru) e suas interrelações com a cultura local, arte, música, economia, história etc. Destacou, entre outros aspectos, que é preciso entender a realidade do outro, considerar a lógica do outro, sem exigir que ele seja a cópia de nós mesmos ou algo que não é sua realidade. A postura transdisciplinar é necessária na pesquisa para não tentar uniformizar a interpretação da realidade.
Considerar a diversidade da Amazônia
"Políticas públicas avançaram bastante na heterogeneidade, mas ainda são muito pensadas a partir da perspectiva do sul do Brasil", analisa o pesquisador da UFPA, Armando Lírio, que considera fundamental ouvir mais e valorizar os sujeitos que fazem a diversidade da Amazônia. "É preciso valorizar o local, sem perder de vista o nacional". Também defende como necessário investir em uma agenda de formação para os gestores públicos e para os movimentos sociais para interagir melhor com a governança territorial e as políticas públicas. "A fragilidade das estruturas municipais é muito grande e eles são centrais na execução dessas políticas", disse.
Mudança de paradigma é defendida
O pesquisador Gutemberg Guerra (UFPA) defendeu a necessidade de investir em pesquisa que seja alternativa ao paradigma do modelo de produção agrícola do País. "Falta investir em pesquisa que favoreça a produção biodiversa e a eliminação de contaminantes que comprometem a qualidade do alimento e do meio ambiente", afirmou. O pesquisador define que o modelo de produção agrícola do País é dependente de insumos externos e prioriza aumento da produtividade sem considerar os aspectos de poluição ambiental e da qualidade biológica do que se produz. "Isso é extremamente arriscado, não só para o País, mas para o mundo, porque compromete a reprodutibilidade dos recursos naturais e a saúde humana, pois a qualidade biológica dos alimentos traz elementos contaminantes", afirma. Guerra cita que desde a década de 70 é feita a crítica ao paradigma do modelo agrícola atual, porém  "essa crítica não tem sido levada a efeito, com investimento maciço em pesquisa para  fazer diferente", afirmou.

Síglia Regina dos Santos Souza (MTb 66/AM) 
Embrapa Amazônia Ocidental 
Telefone: (92)3303-7852
Mais informações sobre o tema
Serviço de Atendimento ao Cidadão (SAC)

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