Autor do artigo, Lucio Pereira Santos, pesquisador da Embrapa Amazônia Ocidental |
O
gesso agrícola e seus efeitos no perfil de um solo cultivado com guaraná
Lucio Pereira Santos
Pesquisador da Embrapa Amazônia
Ocidental
No Amazonas o guaraná é
cultivado principalmente em Latossolo Amarelo álico muito argiloso e em
Argissolos, que apresentam, em sua maioria, alta acidez, baixa saturação de
bases e concentrações elevadas de alumínio trocável. Esses dois tipos de solo
apresentam características físicas adequadas para o uso agrícola, entretanto,
com fortes limitações quanto à fertilidade natural. Nessas
condições, a calagem se faz necessária não apenas para diminuir a acidez, mas
para fornecer Cálcio (Ca) e Magnésio (Mg) às culturas, neutralizar Alumínio (Al),
aumentar a disponibilidade de Fósforo (P), entre outros benefícios, de acordo
com Raij (1991).
Por outro lado, sabe-se que a efetividade da calagem se
dá em uma camada de poucos centímetros de profundidade e que, aliado à
densidade elevada desses solos e às características químicas desfavoráveis, o
calcário por si só possui ação limitada. Como tem a propriedade de se deslocar
ao longo do perfil do solo e de carrear as bases para as camadas mais profundas,
o gesso agrícola possui grande potencial para elevar a profundidade efetiva do
solo, promovendo aumento da exploração deste pelo sistema radicular do
guaranazeiro, melhorando a nutrição das plantas e o seu suprimento com água em
períodos de déficit hídrico.
Baseando-se nisso, a Embrapa
Amazônia Ocidental iniciou pesquisas com o objetivo de avaliar os efeitos do
gesso agrícola sobre a dinâmica de nutrientes e demais atributos químicos do
perfil do solo, bem como seus reflexos na cultura do guaranazeiro em formação. O
trabalho foi realizado na Agropecuária Jayoro Ltda., em Presidente Figueiredo (AM).
Foram utilizadas quatro doses de gesso, todas misturadas ao calcário necessário
para elevar a saturação de bases para 50%, aplicadas na superfície do solo e
sem incorporação. O plantio foi estabelecido com cultivares de guaranazeiro,
visando aferir, futuramente, as possíveis correlações existentes entre os
efeitos das alterações do perfil do solo provocados pelo gesso agrícola e o
estado nutricional das plantas, bem como a produção de sementes. Para esta
etapa inicial da pesquisa, foram avaliadas as características químicas do solo,
das camadas de 0 – 20; 20 – 40; 40 – 60; e, 60 – 80 cm de profundidade.
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Neste trabalho, são apresentadas as
comparações dos teores médios estimados (médias dos quatro tratamentos) com as
médias observadas no solo original, coletado antes das aplicações dos tratamentos.
Foram constatadas alterações importantes de todos os nutrientes, nas quatro
camadas estudadas, ora reduzindo, ora elevando os seus teores. Ressalta-se que
as amostragens foram realizadas no centro das parcelas e não na projeção da
copa das plantas jovens, o que equivale a dizer que os nutrientes não
refletiram as adubações realizadas, e sim apenas os aportes de calcário + gesso
no solo original.
Macronutrientes: Fósforo (P), Potássio (K),
Cálcio (Ca) e Magnésio (Mg)
Os nutrientes K, Ca e Mg apresentaram
uma grande movimentação em profundidade, com consideráveis elevações de seus
teores em todas as camadas. Já o P mostrou reduções de seu teor nas camadas de
0 – 20 cm e de 20 – 40 cm, seguidas de elevação na camada de 40 – 60 cm e de
nova redução na camada de 60 – 80 cm.
Micronutrientes:
Cobre (Cu), Ferro (Fe), Manganês (Mn) e Zinco (Zn)
Os nutrientes Cu, Mn e Zn
mostraram grandes reduções de seus teores ao longo do perfil, em todas as
camadas estudadas, refletindo o efeito do calcário carreado pelo gesso para as
camadas mais profundas do solo. Com relação ao Fe, houve redução de seu teor
apenas na camada de 20 – 40 cm, sendo que nas demais camadas os teores
aumentaram, um fenômeno de difícil explicação.
Potencial
Hidrogeniônico (pH), Alumínio (Al), Hidrogênio + Alumínio (H + Al), Soma de
Bases Trocáveis (SB), CTC efetiva (t), CTC a pH 7,0 (T), Saturação por Bases
(V%), Porcentagem de Saturação por Alumínio (m%):
A SB revelou grandes incrementos (48%, 119%, 170% e 190%),
respectivamente, nas camadas de 0 – 20, 20 – 40, 40 – 60 e 60 – 80 cm,
evidenciando a grande movimentação das bases (K, Ca e Mg) ao longo do perfil do
solo, proporcionando um maior estoque de nutrientes para as plantas em uma
profundidade onde a umidade é preservada durante todos os períodos do ano,
inclusive na fase de deficiência pluviométrica que, nas condições do Amazonas,
compreende os meses de julho a outubro/novembro.
Pelo fato de o gesso possuir a propriedade de
carrear as bases para as camadas mais profundas do solo, onde existe umidade
permanente, as condições ideais para o desenvolvimento radicular se tornarão
mais estáveis e poderá haver modificação do padrão de crescimento das raízes,
que se aprofundarão mais no solo, explorando camadas mais profundas, mantendo a
estabilidade do estado nutricional das plantas e, em consequência, elevando a
produtividade de frutos/sementes. Este aspecto se reveste ainda de maior
importância em se tratando de plantas cujas mudas foram formadas a partir de
enraizamento de estacas (clonais) que, pela natureza da reprodução assexuada,
suas raízes possuem padrão com características fasciculadas, em contraposição
às mudas oriundas de sementes, que apresentam raízes predominantemente
pivotantes.
A “t” revelou consideráveis incrementos nas camadas
de solo, ao passo que a “T” revelou reduções de 9% e de 7%, respectivamente,
das camadas de 0 – 20 cm e de 20 – 40 cm, seguidas de elevações de 3% e de 7%
das camadas de 40 – 60 e 60 – 80 cm. A “T” é a quantidade de cátions adsorvida
a pH 7,0. É o nível da CTC de um solo que seria atingido, caso a calagem deste
solo fosse feita para elevar o pH a 7,0; ou, o máximo de cargas negativas
liberadas a pH 7,0, passíveis de serem ocupadas por cátions. A diferença básica
entre a CTC efetiva (t) e a CTC a pH 7,0 (T) é que esta última inclui
hidrogênio (H+), que se encontra em ligação covalente (muito forte)
com o oxigênio nos radicais orgânicos e oxi-hidróxidos de ferro e alumínio, tão
comuns nos solos brasileiros.
A V% revelou grandes
incrementos (73%, 145%, 162% e 154%), respectivamente, nas camadas de 0 – 20
cm; 20 – 40 cm; 40 – 60 cm; e, 60 – 80 cm, mostrando efeito do gesso em
profundidade.
A m% mostrou a efetividade do
gesso em profundidade, evidenciada pelas reduções da “m” de 26%, 19%, 24% e de
26%, respectivamente, nas camadas de 0 – 20 cm; 20 – 40 cm; 40 – 60 cm; e de 60
– 80 cm. Esta
característica expressa a fração ou quantos por cento da CTC efetiva estão
ocupados pela acidez trocável ou Al trocável. Reflete a porcentagem de cargas
negativas do solo, próximo ao pH natural, que está ocupada por Al trocável. É
outra forma de expressar a toxidez de alumínio. O alumínio é extremamente
tóxico às raízes e sua redução facilitará o crescimento delas em profundidade,
melhorando a exploração do solo e a absorção de nutrientes.
Conclusão
O gesso agrícola age em profundidade,
elevando a saturação por bases e reduzindo a saturação por alumínio, entre
outros benefícios que poderão favorecer o crescimento do sistema radicular nas
camadas mais profundas e a nutrição das plantas. As reduções dos teores dos
micronutrientes Zn, Mn e Cu observadas em função das aplicações do “gesso +
calcário” devem ser monitoradas por meio das análises de solo e folhas, e
também pela diagnose visual, visando uma possível necessidade de reposição
deles por meio das adubações.
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