A presidente da CNA não foi atacada por dom
Balduino por ter feito isso ou aquilo, mas por ser quem é: líder de um setor da
economia...
Há dois dias escrevi aqui sobre as maluquices de
dois padres — Júlio Lancelotti e um outro aí — que decidiram se opor à
internação involuntária de viciados em São Paulo, embora o programa, que cumpre
previsão legal, esteja cercado de todos os cuidados técnicos e garantias
democráticas. Por que os dois fazem isso? Porque têm, vamos dizer assim, ideias
na cabeça que passam muito longe dos fundamentos do catolicismo e da outra
Constituição que deveriam seguir: os fundamentos no Novo Testamento.
No
dia 23, a Folha publicou um artigo assinado por Dom Tomás Balduino, 90 anos (se
escrito por ele, isso já não sei), que é nada menos do que um libelo contra a
senadora Kátia Abreu (PSD-TO). Vamos ver. Divergir desse ou daquele é parte do
jogo democrático. O ataque gratuito, saído do nada, apelando a calúnias já
desmoralizada pelos fatos e pela Justiça, bem, isso é outra coisa. A senadora,
presidente da Confederação Nacional da Agricultura do Brasil (CNA), não foi
atacada por dom Balduino por ter feito isso ou aquilo, mas por ser quem é: líder
de um setor da economia — o único da área produtiva que exibe números realmente
virtuosos. E sem ter o BNDES como babá.
Dom Tomás é bispo emérito de
Goiás e “conselheiro permanente da Comissão Pastoral da Terra”, de que já foi
presidente. As “pastorais” são o que já chamei aqui de “herança maldita da
Escatologia da Libertação”. Na sua militância, substituem os fundamentos do
cristianismo — e, particularmente, do catolicismo — pela velha e boa (para os
militantes) luta de classes. Poucos setores demonizam tanto o a produção rural,
por exemplo, como essa ala da Igreja. Padres e bispos católicos deveriam ter
como mandamento “dar pão a quem tem fome”. Fazem, nesse caso, o contrário:
preferem a fome desde que ela esteja de acordo com o que acham ser “justiça”.
Dom Balduino, com o seu entendimento muito particular do que seja
justiça, já foi tema deste blog muitas vezes. Em 2009, confesso, ele consegue
deixar chocado até este blogueiro, que espera as piores coisas desse setor da
Igreja. O noticiário internacional dava conta da penca de filhos que o então
presidente do Paraguai, Fernando Lugo, havia tido na clandestinidade, quando era
nada menos do que bispo — filhos que, evidentemente, não haviam sido
reconhecidos. Dom Balduino não hesitou: trocou a Teologia da Libertação pela
Teologia da Inseminação e emprestou seu total apoio ao “amigo”. Mais: acusou uma
conspiração contra o Lugo e ainda acusou a mídia, claro!!! Deu a impressão de
que os inimigos de Lugo o forçaram a se deitar com parcela significativa da
população feminina do Paraguai. No trecho mais impressionante da carta, Dom
Balduino exaltou a quebra dos votos de castidade do outro e sua prolífica
militância. Assim: “Continue assim, caro Irmão, coerente com a inspiração
evangélica, ao testemunhar, com clarividência e humanidade, o inestimável valor
do relacionamento entre o homem e a mulher”.
Ainda que padre transando
com mulher não seja a pior notícia que pode ter a Igreja, é evidente que a carta
de dom Tomás é pura delinquência teológica e política.
O que isso tem a
ver? Aí alguns mais inocentes poderiam perguntar: “O que isso tem a ver com
o caso de agora, Reinaldo?”. Tudo! Dom Balduino é do tipo que santifica os seus
amigos, pouco importando as transgressões que tenham praticado (ele as
transforma, como se vê, em virtudes), e que demoniza aqueles que considera
adversários, pouco importando se têm ou não virtudes. E isso está demonstrado
por sua trajetória e militância.
As acusações O artigo de Balduino
está ancorado num texto publicado pela notória Carta Capital, com o apreço e o
amor à verdade que há por lá. Acusa Kátia Abreu de ter expulsado um agricultor
de sua terra e de ter se apropriado de área pública. Os documentos que existem a
respeito do caso desmentem uma coisa e também outra — tudo submetido ao crivo da
Justiça.
Balduino afirma ainda outras barbaridades sobre assunto que
conhecemos bem, os que somos deste blog. Quando o Supremo tomou a decisão sobre
Raposa Serra do Sol — decisão lastimável no mérito (e nós estávamos certos; só
cresceu miséria por lá ) —, estabeleceu 20 condicionantes para aquela área e
para a demarcação de futuras terras indígenas. O bispo, com um desapreço pela
verdade só superado pelas ignomínias que disse no elogio a Lugo, atribui tal
decisão a Kátia Abreu. É mesmo um troço espantoso!
Estudiosos tentam
entender as razões do declínio da Igreja Católica no Brasil — e está em
declínio, é inútil negar. Deriva, não tenho dúvida, entre outras causas, do fato
de que muitos religiosos passaram a ignorar o dogma da Cruz em favor do da luta
de classes. O pior é que acabam com um entendimento prejudicado das duas coisas.
Os marxistas originais, vá lá, achavam que era preciso superar o capitalismo
para chegar ao socialismo — e àquilo que entendiam ser o bem-estar coletivo. O
comunismo dos padres é coisa mais primitiva mesmo. Eles parecem ter uma atração
fatal pela socialização da miséria. A exemplo daquela turma da Alana, eles
também não gostam do… consumismo… É o caso de Lancelotti. Esse homem não pode
ver um miserável que logo cai de joelhos.
Leiam a resposta que Kátia
Abreu deu a dom Balduino, também na Folha:
Li, com surpresa, nesta
Folha, um texto rancoroso e eivado de fúria acusatória e caluniosa (“Apreensão
no campo” ), assinado pelo bispo emérito de Goiás Velho, dom Tomás Balduino,
atribuindo-me pecados que não cometi.
Como católica praticante, jamais
imaginei um dia polemizar com um representante da mais alta hierarquia da fé que
professo. Mas a fé que professo não parece ser a mesma que a dele. As palavras
que me dirigiu não foram de um cristão.
Minha fé não é a do ódio
revolucionário, que incita o conflito e trata como pecadores os que dele
divergem ideologicamente. É a fé que o papa Bento 16, em seu livro “Jesus de
Nazaré, da Entrada em Jerusalém à Ressurreição”, proclama como sendo a da paz.
“A violência”, diz o papa, “não instaura o Reino de Deus, o Reino da
Humanidade. É, ao contrário, instrumento preferido do Anticristo. Mesmo com
motivação religiosa idealista, ela não serve à humanidade, mas à inumanidade”.
Não há mistura mais letal que a da política com a religião. O
fundamentalismo é, em si, antirreligioso. Os católicos da Irlanda, em nome de
sua fé –que seguramente não é a de Cristo–, usaram o terrorismo e o sangue de
inocentes como arma política, em nome de Alguém que resumiu sua doutrina numa
frase: “Amai-vos uns aos outros”.
Minha mais remota lembrança de dom
Tomás é diametralmente oposta ao espírito de seu artigo. Remonta a um tempo
anterior à criação do meu Tocantins, então integrado a Goiás.
Ele, ainda
padre, ensinava, num Sermão das Sete Palavras, na Sexta-Feira da Paixão, que
Jesus, ao pedir ao Pai que perdoasse seus algozes, “pois não sabiam o que
faziam”, mostrava a importância de interceder não só pelos amigos, mas sobretudo
pelos inimigos.
Ao que parece, algo mudou na transição de padre Tomás
para o bispo dom Balduino. Invoco, pois, o espírito cristão do padre para
responder ao bispo, com absoluta serenidade, as imputações que me faz –a mim e a
meus irmãos Luiz Alfredo e André Luiz. Mesmo perdoando-o desde já, cumpro o
dever de desmenti-lo.
Não é verdade, dom Balduino, que tenha perseguido,
despejado e feito perseguir “por 15 policiais armados” um pequeno agricultor em
Campos Lindos, Tocantins. Tratava-se do grileiro Juarez Vieira, cuja crônica de
violências e maldades qualquer morador da região atestará. Obtive na Justiça
reintegração de posse de terra de minha propriedade legítima.
Não é
verdade também que a tenha recebido de “mão beijada”. Adquiri-a em moeda
corrente e a preço justo, como os demais fazendeiros. Era área inóspita e
desabitada; hoje, é a internacionalmente conhecida região do Mapito, referência
de produtividade em soja, milho e algodão, com infraestrutura bancada pelos
produtores pioneiros.
Outra injúria atinge meus dois irmãos. O bispo
acusa Luiz Alfredo de grilagem e André Luiz, de promover trabalho escravo. Mas
Alfredo adquiriu com recursos próprios as terras que possui, devidamente
documentadas. E André jamais foi proprietário da fazenda citada pelo bispo.
Apenas alugou dois tratores, sem os tratoristas, para o proprietário,
nada tendo a ver com as denúncias, que não o envolveram. É, inclusive,
funcionário do Ministério Público do Trabalho, onde jamais foi questionado.
Esclareço também que não sou responsável pela decisão da Advocacia-Geral
da União de estender as condicionantes da demarcação de Raposa Serra do Sol às
demais terras indígenas. Foi o Supremo Tribunal Federal que assim o determinou.
Sem seu grau de santidade e sabedoria, não lhe devolvo as insolências. E
se for o caso de terminar com uma citação, tomo, com respeito, a palavra do
Senhor, no Antigo Testamento: “Não darás falso testemunho contra o teu próximo”
(Êxodo, 20, 16).
*Reinaldo Azevedo, blogueiro e articulista da revista
Veja
Publicado em: 25/01/2013. |
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