O ambiente até então artificial criado pela seca
histórica enfrentada pelos Estados Unidos, com a supervalorização do preço das
commodities agrícolas, começa a se tornar real a partir do momento em que a
estiagem se agrava, o período seco se prolonga e parte considerável da safra
norte-americana começa a virar pó. Os movimentos de mercado, nos fundamentos de
oferta e demanda ou na especulação dos investidores seguem viés de alta, mas de
futuro incerto e perigoso, com ameaça explícita à segurança alimentar, do ponto
de vista do abastecimento.
Apesar do dilema estabelecido nos últimos anos
entre se produzir comida ou energia, produção agrícola é sobretudo alimento. Os
combustíveis renováveis são ambientalmente corretos, têm a simpatia dos governos
e da população. Mas os estoques estão no limite de exposição e o mundo precisa
comer, recompor suas reservas e garantir o equilíbrio entre o resultado
econômico e a dignidade do ser humano. E são em momentos como estes, de redução
drástica na oferta de grãos, que se tem noção de como estreita e perigosa é a
relação entre esses dois mundos.
Não por acaso, a Organização das Nações
Unidas (ONU) e o Banco Mundial fizeram um apelo ao governo dos Estados Unidos
para que reduza a destinação de milho para a produção de etanol. Ao reservar 40%
da produção de milho às usinas de etanol, o país que protagoniza a crise também
é a nação que mais transforma grãos em combustível. Ao chamar a atenção para a
eminente crise no abastecimento mundial de alimentos, a ONU alerta para a
necessidade de uma destinação mais racional ao uso dos grãos. O combustível de
soja e milho pode até ser mais sustentável, mas a alimentação é condição à
sustentabilidade.
Engana-se também quem acha que alguém está ganhando
dinheiro com o atual preço das commodities agrícolas. As cotações exorbitantes,
resultado da redução na oferta, só fazem aumentar o custo de produção dentro da
porteira, a inflação na ponta do consumo e os desajustes entre os outros elos da
cadeia produtiva. Preços bons e rentáveis também precisam ser sustentáveis, do
ponto de vista econômico e social, porque o problema da fome no mundo não está
na produção, mas no preço dos alimentos. É preciso acreditar, portanto, que
oferta e demanda não é resultado única e exclusivamente do clima, como também de
planejamento, prioridades e compromisso com o econômico e o social.
Para
constar, os Estados Unidos são os maiores produtores e também exportadores de
commodities agrícolas do mundo. Nos embarques são seguidos de perto pelo Brasil,
o segundo no ranking, uma configuração que expõe a participação das duas nações,
tanto nos efeitos quanto nas alternativas e soluções à crise. Por outro lado, a
responsabilidade em reverter o quadro de abastecimento também recai
imediatamente sobre o Brasil, que, para fazer frente à escassez mundial, seja
ela de alimento ou energia, terá que se superar e entregar pelo menos 180
milhões de toneladas de grãos no ciclo 2012/13. A última temporada, a 2011/12,
soma 165 milhões de toneladas.
O Brasil também tem a chance de reforçar e
consolidar sua posição como o grande provedor mundial de soja. Na temporada
passada, pela primeira vez, o país superou os Estados Unidos na exportação da
oleaginosa, feito que deve se repetir e se perpetuar a partir do ciclo atual.
Mais do que isso, em 2012/13 o Brasil tem ainda a chance de assumir o posto de
maior produtor mundial de soja e superar a potência norte-americana em embarques
e agora em produção. Mas por que isso é importante? Primeiro porque depois do
petróleo a soja é a commodity com maior liquidez no mundo. Depois, porque a
América do Sul vai responder por 60% e o Brasil, por quase um terço da produção
mundial.
No relatório de oferta e demanda mundial divulgado na
sexta-feira, o USDA, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, já
reconhece a liderança absoluta do Brasil na soja. O documento traz o país com 81
milhões e os norte-americanos, com 73 milhões de toneladas de soja. No milho,
são 273 milhões de toneladas para os EUA e surpreendentes 70 milhões de
toneladas ao Brasil. Mesmo com a possibilidade de produção recorde da soja,
segundo o USDA, o milho no Brasil não perde espaço. Ao contrário, pode aumentar
a produção. Na outra ponta, na safra em curso o clima já consumiu mais de 115
milhões de toneladas de soja e milho dos Estados Unidos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário