“Hoje a roça está dando renda. Dá para ficar com
meu pai, cuidando da plantação, ganhando dinheiro e sem precisar ir para a
cidade, viver às custas de alguma prefeitura falida”. O discurso é articulado,
até parece de algum ativista, mas é de um jovem de 17 anos, que até já teve sua
experiência na cidade, mas descobriu que na roça pode ter tudo de bom que a vida
urbana possa oferecer, sem os riscos de cair nos bolsões de miséria ou coisa
pior. “Aqui, estou livre de tudo, inclusive do crime”, comenta o adolescente
Rodrigo da Conceição de Jesus, enquanto descansa de uma aula mais puxada de
sangria em seringueira, numa área demonstrativa de Sistema Agroflorestal (SAF),
em Valença (BA).
Rodrigo é um dos 20 trabalhadores e agricultores
familiares que participaram, entre segunda e terça-feira (23 e 24), de um curso
para sangria de seringueiras, realizado pela Ceplac em parceria com a Michelin,
multinacional que compra e beneficia 70% do látex produzido na região de
Valença. Seu entusiasmo com a atividade agrícola não se resume ao ganho
financeiro – o pai, Manoel Clarindo dos Santos, dá metade da renda do seringal
para ele, que já é um craque na sangria –, mas se estende à possibilidade de
reunir a família no campo novamente. “Tenho um irmão, de 27 anos, que foi embora
para Salvador. Vive como assalariado, tendo que pagar aluguel, transporte e
alimentação numa capital. Aqui, ele pode ter tudo, mais fácil e junto da gente
de novo”.
O próprio Rodrigo, que já viveu essa experiência
– foram três meses longe de casa, em Valença – sabe que a vida na cidade pode
ser boa em vários aspectos, mas já não garante a realização de seus sonhos.
“Hoje eu sei que posso ter minha moto e outras coisas que antes eram só para
filhos de barões. Depois que voltei para a roça, ganho meu dinheiro, estou perto
dos meus pais, estudo e vejo um futuro pra mim”. Para não dizer que nada de bom
trouxe da cidade, ele lembra que lá aprendeu a cortar cabelo e hoje, para
aumentar a renda, nos fins de semana dá uma de cabeleireiro da turma de casa e
das fazendas próximas.
Apostou e se deu
bem
Enquanto Rodrigo planeja um futuro de realizações
no campo, o pequeno produtor Manuel Graciano Soares, conhecido como Manuel
Coelho, quer resultado para seus investimentos. Proprietário da fazenda Tucum
Mirim, onde a Ceplac realiza as demonstrações de SAF, Manuel é só sorrisos.
“Antes, possuía uma área de guaraná e cravo. Os preços caíram, tive prejuízo e
resolvi mudar. Sob orientação da Ceplac, tomei um empréstimo no Banco do
Nordeste para plantar cacau consorciado com banana e seringa. A carência era de
oito anos, mas logo a banana começou a produzir, rendeu R$ 15 mil, e eu já
poderia pagar o empréstimo e ainda ter lucro”, comemora.
Mas não foi só isso. Em vez de pagar o empréstimo
antecipadamente, foi incentivado a aumentar a área de SAF. Onde antes havia
plantado o guaraná e o cravo, transformou em novo plantio consorciado de cacau,
banana e seringa. “Botei ali meus próprios recursos”, diz, como quem quer provar
que confia no tino comercial. Mas, não precisa ser gênio da economia para saber
que ele fez um bom negócio. A banana já produziu – mais de R$ 15 mil –
novamente, o cacau da área demonstrativa vai bater mais de 100 arrobas no
hectare-modelo – ele possui ao todo sete hectares e meio – e o seringal começa
a produzir em setembro.
Dignidade
Os sistemas agroflorestais são estimulados pela
Ceplac para agricultores familiares na região de Valença e do baixo sul como
forma de aumentar a renda das famílias, garantindo o melhor aproveitamento do
espaço produtivo, inclusive recuperando áreas de pastagens degradadas. Permite,
ao mesmo tempo, uma vida digna aos agricultores, para além das culturas de
subsistência, com ganhos de mais de R$ 1,2 mil mensais. “Para quem tem quase
todos os recursos disponíveis no quintal de casa, da alimentação à água potável,
é um ganho considerável. Esse é o desafio: fixar as famílias no campo, com
dignidade e qualidade de vida”, afirma o técnico agrícola e chefe do escritório
local de Valença, Geraldo Argôlo.
A região é exaltada como a mais diversificada do
mundo. Abriga mais de 3 mil agricultores familiares. Cerca de 340 implantaram
sistemas agroflorestais, número que deve chegar a 400 até o fim do ano. “A
produtividade é muito boa e até valoriza a terra. Mas, observamos que a
valorização maior está mesmo no próprio homem. Hoje, quem vive no campo sabe que
tem valor por sua atividade. Deixou de ser uma vítima da crise do cacau e de
outras culturas, para ressurgir como ator de uma grande mudança”, analisa
Argôlo.
Pronto, o jovem Rodrigo da Conceição de Jesus, às
vésperas do aniversário de 18 anos e de poder pilotar sua moto, já tem um futuro
garantido: será agente da transformação econômica e social de uma região. Será
também exemplo e inspiração para outros jovens, como as centenas de crianças e
adolescentes que vivem nas periferias de cidades como Ituberá ou a própria
Valença, após migrarem das plantações para a pobreza urbana e, até mesmo, para o
tráfico de drogas. Vítimas da crise do cacau.
Domingos Matos
Fotos: Àguido Ferreira
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