A ocasião não poderia ser melhor. Este é o ano do
centenário de Jorge Amado, o escritor que imortalizou as plantações de cacau do
sul da Bahia. Gabriela, a personagem que deixou Ilhéus de queixo caído, está de
volta à TV. Enquanto isso, os olhos chocólatras do mundo estão voltados para a
região que, depois de duas décadas de crise, ressurge produzindo um cacau de
primeiríssima, já elogiado por alguns dos maiores mestres chocolateiros da
França. Gente como François Pralus e Arnaud Larher, que esta semana estarão
entre Ilhéus e Salvador para participar do Salon du Chocolat. Um dos maiores
eventos da gastronomia mundial, criado na França, pela primeira vez é sediado
num país produtor de cacau. Prova do prestígio que o fruto brasileiro vem
ganhando lá fora.
O personagem mais conhecido dessa retomada é Diego
Badaró. Coincidência da vida, ele é da quinta geração da família que Jorge Amado
escolheu como personagem principal do romance "Terras do sem fim", que narra os
confrontos e os amores ocorridos na fase da conquista das terras cacaueiras.
Diego é jovem e engajado. Além de plantar cacau na fazenda da família, ele
também produz o Amma, chocolate orgânico que caiu nas graças da chef Roberta
Sudbrack. Na última Páscoa, ela criou a tartelette quente de chocolate amargo e
licuri, com a variação 60% do Amma.
— Trabalhar com o Amma é uma alegria e uma honra. A
história, a origem e a filosofia de trabalho é a maior fonte de inspiração! —
derrete-se Roberta.
A filosofia a que a chef se refere é a da
responsabilidade ecológica e social — nada de aditivos químicos, de exploração
de trabalhadores ou desmatamento. No sul da Bahia, o modelo de produção de cacau
é o chamado cabruca. Nele, os cacaueiros crescem à sombra das árvores da Mata
Atlântica. Assim, mais de 200 espécies de vegetação nativa são preservadas,
enquanto os frutos ganham as condições climáticas perfeitas para se
desenvolverem.
— O modelo orgânico não tem foco na produtividade,
e sim na sustentabilidade e na preservação da Mata Atlântica — explica Diego
Badaró.
O cuidado na produção já deu resultados. Nas duas
últimas edições do International Cocoa Awards, a mais importante qualificação de
cacau no mundo, os frutos do produtor João Tavares foram eleitos os melhores da
América Latina, à frente de produtores de países tradicionalmente classificados
entre os melhores do mundo, como a Venezuela e o Equador.
Essa qualidade chamou a atenção do chocolateiro
François Pralus. O francês fornece chocolate para a Maison Troisgros, em Roanne
(Pralus trabalhou com Claude em Búzios, nos anos 1980). Agora, ele está na Bahia
para o Salon du Chocolat.
— Amo o cacau brasileiro. Ele é de grande
qualidade, dependendo, é claro, da plantação.
Quem também está na Bahia é Arnaud Larher, nome por
trás de bombons tão deliciosos quanto disputados em Paris.
— Ainda não trabalhei com o cacau brasileiro, mas
já experimentei variedades excepcionais que me fizeram pensar que usarei o cacau
de vocês muito em breve.
O interesse crescente dos franceses pelo cacau da
Bahia tem explicação. Cada vez mais os consumidores europeus se preocupam com as
origens e os métodos de produção das mercadorias que consomem. Não é diferente
com o chocolate. O sul da Bahia é uma das poucas regiões do mundo que produz
cacau orgânico aliado à preservação do ecossistema e à valorização do pequeno
produtor. O fair trade garante pontos lá fora.
Para atender às necessidades da grande indústria,
muitas regiões produtoras optaram por matrizes híbridas que estão muito aquém
das demandas de quem prefere o chocolate gourmet. Chocolateiros como Pralus e
Larher procuram terroir. Eles precisam de cacau puro de qualidade, coisa que o
sistema de produção cabruca garante ter.
O francês Alfred Conesa é um dos maiores
conhecedores de cacau do planeta. O motivo é simples: ele viajou por todos os
países produtores durante seis anos para pesquisar o livro que lançará em
setembro. "De cacao et des hommes: carnet de voyage dans le monde du chocolat
(Éditions Singulières) é uma viagem profunda à história do chocolate. Ele
explica o sucesso do nosso produto:
— Há demanda por cacau de alta qualidade, além de
novos mercados consumidores como a Índia e a China. Os pequenos produtores são
os únicos que cultivam as variedades mais antigas, que são as necessárias para o
chocolate de alta qualidade. No caso do chocolate, o comércio justo é uma
necessidade — explica Conesa.
Foi exatamente o que perceberam os produtores.
Agora, eles trabalham para que seja aprovado o projeto de indicação geográfica
"Cacau cabruca sul da Bahia", o selo que dirá ao mundo inteiro a origem e as
condições de produção do cacau baiano. O que eles querem é estimular o consumo
consciente e gourmet.
— A Bahia está redescobrindo o cacau. Trabalhamos
para criar uma rota turística para que as pessoas possam se aproximar da
produção do cacau e do chocolate. Assim como acontece com o vinho na Europa,
queremos que a região produtora de matéria-prima seja também produtora de
manufaturados. Pensamos numa escola de gastronomia com ênfase no chocolate. No
futuro, os chocolateiros brasileiros serão todos baianos! — acredita Durval
Libânio, presidente do Instituto Cabruca, que mantém e difunde o sistema de
produção de mesmo nome.
Atualmente, o Brasil é o terceiro maior consumidor
de chocolate do mundo e o quinto maior produtor. Há demanda interna, e ela é
cada vez mais gourmet.
— O chocolate amargo é uma tendência. Para ser bom,
ele precisa de alto teor de cacau de qualidade. O leite e o açúcar mascaram o
cacau ruim, mas no amargo isso não é possível — diz Durval.
Não custa lembrar que o bom chocolate amargo é
altamente recomendado pelos médicos. Rico em flavonóides e antioxidantes, ele
ajuda a proteger o coração e atua como um antidepressivo natural. Também engorda
menos do que o ao leite.
— O chocolate da Bahia é a química da felicidade —
encerra Durval Libânio.
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