terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Tecnologia para todos

Assistência técnica e extensão rural podem quadruplicar a renda de pequenos agricultores

Alexandre Honorato conseguiu uma façanha: tornou-se o primeiro produtor de queijo minas artesanal a obter certificação para vender seu produto fora de Minas Gerais. Ganhou com isso valor agregado e, em vês de aceitar R$ 8 pelo quilo do queijo em sua cidade, Araxá, passou a pôr preço no produto, que agora chega a custar R$ 35 no Rio de Janeiro e em outros Estados. Aloísio Custódio de Sales, também de Araxá, faz caminho semelhante e busca certificação de sua horta orgânica para sair das fronteiras do município. O processo está acelerado e ele já projeta dobrar o faturamento mensal.
José Eduardo Matos produz 20 cordeiros por mês em Graccho Cardoso, no Sergipe. Sua meta é chegar a 50 cordeiros por mês e direcionar a venda para a indústria. Valdecir Marinotti produz 20 litros de leite por dia em Presidente Bernardes (SP) e projeta chegar a 100 litros ao dia para alcançar um renda mensal de R$ 3 mil, o que lhe permite sustentar a família.
Os quatro são representantes da categoria que mais produz no país : os agricultores familiares, que, segundo o ministro de Desenvolvimento Agrário Pepe Vargas, respondem por 84% das propriedades agrícolas brasileiras. Todos eles têm obtido ganhos de produção e renda graças aos serviços de assistência técnica e extensão rural prestados no Brasil por órgãos estaduais, associações, cooperativas e outras entidades privadas.
As deficiências desse serviço, no entanto, deixam ainda cerca de 1 milhão dos 4,3 milhões de produtores agrícolas familiares do país sem qualquer assistência. Para mudar esse cenário, o governo federal decidiu criar a Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater). O projeto, depois de aprovado no Congresso Nacional, foi sancionado pela presidente Dilma Rousseff no dia 18 de dezembro.
A Anater nasce com um orçamento estimado em R$ 1,3 bilhão para 2014 o objetivo de ampliar a oferta de serviços grátis de assistência técnica e extensão rural é aproximar a pesquisa do agricultor e pecuarista para obter mais produção e renda. A agência foi criada no vácuo deixado pela Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater), extinta do governo Collor em 1990. a empresa era responsável pela coordenação de todas as Ematers (empresas estaduais de assistência técnica e extensão rural) do país, que são vinculadas aos governos dos Estados e atendem prioritariamente aos agricultores familiares. A criação da Anater era aguardada com grande expectativa pelos dirigentes das entidades estaduais e privados, por técnicos e por associações rurais.
Luta antiga


“As entidades estaduais ficaram órfãs com o fim da Embrater”, diz Jose Ricardo Roseno, presidente da Emater – MG e vice-presidente da Associação Brasileira das Entidades Estaduais de assistência Técnica e Extensão Rural (Asbraer). Segundo ele, o órgão mineiro atende cerca de 500 mil agricultores (90% da categoria familiar) e trabalha com um orçamento anual de R$ 260 milhões, sendo que apenas 6% desse total vem do governo federal. Ele afirma que, com assistência, o produtor pode obter renda até quatro vezes maior. Para José Maria Pimenta Lima, engenheiro agrônomo extensionista e presidente da Emater – CE, que trabalha com orçamento de R$ 70 milhões e tem 304 mil agricultores familiares para atender, “a vantagem da Anater será concentrar os recursos que hoje estão pulverizados por vários ministérios”.
“A criação da Anater é a consolidação de um processo. Há 12 anos estamos lutando por isso”, diz Lino de David, presidente da Emater-RS, que tem um orçamento de R$250 milhões e atende 250 mil das 385 mil famílias de agricultores familiares do Estado. Segundo ele. Com a Embrater, 70% dos recursos aplicados no Estado vinham do governo federal. Atualmente, apenas 5% vêm dessa fonte. O restante vem do Estado (70%), municípios (10%) e de arrecadação própria (5%). Segundo Luís Gomes Furtado, secretário executivo da Emater – RO, “ a agência representa uma possibilidade de fortalecimento das Ematers, com mais recursos e pessoal”. Furtado tem orçamento de R$ 85 milhões e dá assistência a 45 mil famílias, mas não consegue chegar a outras 40 mil.
“Falta uma coordenação nacional, faltam verbas, faltam técnicos”, afirma Lenival Viana, chefe do escritório regional da Emater de Zumbi dos Palmares, em Alagoas,esperando que a nova agência venha supri tudo isso. Com 12 técnicos, a regional de Zumbi presta assistência a oito municípios e investe na fruticultura. João Firmino, ex-cortador de cana que se tornou agricultor familiar, é um dos exemplos para mostrar que investir em assistência técnica e extensão dá bons frutos. Ele passou bde uma produção de 82 mil laranjas, em 2011, para 252 mil, em 2012, e neste ano projeta colher 600 mil.
Ao contrário, dos colegas, José Carlos Rosseti, que dirige a Coordenadoria de Assistência Técnica Integral (Caiti), órgão da Secretaria da Agricultura de São Paulo, não deposita muita esperança na criação da Anater. “Não creio qu1e São Paulo vá receber dinheiro novo, não”. Para Rosseti, há uma estrutura da nova agência uma confusão entre assistência técnica e extensão rural. “Não basta levar tecnologia. É preciso preparar o produtor para que ele possa planejar a sua atividade e ver se ela vai lhe dar lucro”. O coordenador usa como exemplo da falta de planejamento a colheita recorde de grãos nesta safra, que não tem como ser completamente escoada devido a problemas de infraestrutura em estradas e portos. A Cati dá assistência e vende sementes, mudas e matrizes a pequenos, médios e grandes produtores de 600 dos 645 municípios paulistas. O orçamento para 2014 é de R$ 257 milhões.
Embrapa
“Com o fim da Embrater, o Brasil perdeu a capacidade de transferir tecnologia, principalmente para os micros e pequenos produtores, que precisam de conhecimento e capacitação para usar as novas tecnologias”. A afirmação é de Maurício Antonio Lopes, predisente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), órgão que terá uma cadeira no conselho da Anater, assim como o presidente da agência terá seu lugar na Embrapa.
Segundo Lopes, a Embrapa preparou-se nos últimos anos para transferir tecnologia aos produtores, dotando de áreas de transferência seus 47 centros de pesquisa. “Só que não temos capilaridade para chegar ao produtor. Temos de atuar via Ematers, cooperativas e associações e outras entidades”, diz. Para ele, a Anater vai suprir o “imenso passivo de assistência técnica que o país tem com o produtor”.
Os presidentes da Confederação Nacional dos trabalhadores na Agricultura (Contag), Alberto Ercílio Broch, e da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), Márcio Freitas, dizem ter lutado nos últimos nos pela criação da agência nacional. Ambos vão pleitar um papel importante na distribuição dos recursos do novo órgão. “Se queremos produzir mais alimentos, assistência técnica e extensão rural são um investimento, não uma despesa”, fala Broch.
Freitas diz que, se a Anater concentrar os orçamentos do setor que hoje estão pulverizados pelos ministérios, já vai facilitar muito a evolução da agricultura brasileira. OCB e Contag também vão ter cadeira no conselho da nova agência, assim como a Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) e as Ematers.
Em discurso no Senado, a senadora Kátia Abreu, presidente da CNA, defendeu a criação da agência e afirmou que, atualmente, apenas 11% dos agricultores familiares do país têm acesso regular “aos insumos tecnológicos colocados à disposição pela Embrapa e por universidades”.
Mostrar serviço
“Com o fim da Embrater, o sistema de assistência técnica e extensão rural no país foi desmantelado e só sobreviveu em alguns Estados”, diz o médico veterinário Fábio Telles, que já trabalhou na Emater de Minas, no MDA e em empresas como Nestlé. Telles diz que, se o MDA não tivesse apoiado os agricultores familiares, grande parte deles, especialmente os produtores de leite, teria saído do ramo. “Nos moldes em que a Anater está sendo criada, quem mostrar serviço é que vai ganhar o recurso. E a agência vai preencher uma lacuna, porque está sendo criada para fazer assistência técnica e extensão rural também no setor secundário, ou seja, vai levar o que é produzido também para a indústria”. O médico veterinário Flávio Marques de Melo, que presta serviços a cooperativas e ao braço agropecuário do Sebrae em projetos no interior de São Paulo e no Nordeste, diz que o produtor é muito carente de informações. “Quando você começa a desenvolver um projeto e para, ele se sente desanimado e desiste da atividade”.
O ministro Pepe Vargas diz que a cobrança de resultados fará parte das atribuições da Anater, que terá a função de credenciar e fazer a creditação de entidades públicas e privadas de assistência técnica e extensão rural e de qualificar e contratar técnicos, sempre com foco na inovação e na transferência de tecnologia. “A Anater vai se tornar um ‘cabide de empregos’, terá uma estrutura muito enxuta , com 130 funcionários contratados por CLT e poucos cargos diretivos, com custeio anual de R$ 22 milhões”. Segundo ele, do orçamento de R$ 1,3 bilhão, R$ 300 milhões em serviços já estão contratados e R$ 1 bilhão será dinheiro novo.
Para o ministro do Desenvolvimento Agrário, a chance de o Brasil elevar sua produção de alimentos nos próximos anos e investir pesado em assistência técnica e extensão rural na agricultura familiar, posto que a agricultura empresarial aumentou tanto sua produtividade nos últimos anos que tem pouco espaço para crescer.
Queijim de Minas
A conquista do título de melhor queijo minas artesanal de Araxá em 2007 levou Alexandre a reinvestir na produção que já era uma tradição na família desde os tempos de do seu avô.“Ouço falar de queijo desde a barriga da minha mãe”, diz o queijeiro de 44 anos, que, com a assistência e o incentivo da Emater –MG e do Instituto Mineiro de Agropecuária (IMA), se tornou o primeiro no Estado a se beneficiar de uma lei federal que permite ao produtor vender legalmente seu queijo de leite cru fora das fronteiras estaduais após maturação de 22 dias.
As exigências para obter o selo do Sistema Brasileiro de Inspeção de Produto de Origem Animal (Sisbi-POA) são muitas, visando garantir a qualidade do alimento e atender a aspectos de sanidade e saúde pública. Honorato, que já tinha obtido um financiamento do Pronaf para abrir a queijaria, investiu agora mais R$ 80 mil para ampliar e equipar o espaço, que inclui setores de produção, armazenagem e embalagem. Com suas 63 vacas leiteiras e a ajuda da mulher, dos filhos e de duas funcionárias, ele produz 160 queijos da marca Minerin por dia. Um chefe de cozinha paulistano distribui seu produto para restaurantes.
Honorato deve ter companhia em breve. Estão sendo construídos em Minas dois centros de maturação do queijo em Medeiros e Rio Paranaíba para atender a vários produtores. Helena Bastos Machado, que produz 30 quilos de queijo por dia com o marido, o sogro e o filho em Medeiros, admite que, como muitos produtores, já vende seu queijo para fora do Estado graças a atravessadores, mas diz que o lucro é pequeno. “Agora, com a legalização, é que a gente vai ganhar dinheiro”.
 Fonte : Revista Globo Rural

Você pode conferir a matéria na Edição nº. 339

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