Comam tambaqui!
Foto: google |
Piscicultura não causa doença! Simples assim, não causa. Mas para que isso fique bem claro escrevemos um artigo com esse tema, mais uma vez. Em outubro de 2008 diversos casos de rabdomiólise (quebra rápida do tecido muscular) chamaram a atenção da população amazonense. Na época atribuiu-se a doença ao consumo de "pacu criado em cativeiro". Tentaram passar a imagem de que a piscicultura é um bicho de sete cabeças e que pode fazer mal à população. Na época a Embrapa se posicionou em uma matéria e foi fácil desfazer o engano, simplesmente explicando que o pacu que consumimos vem única e exclusivamente da pesca. Agora três novos casos foram registrados esse
mês, e novamente a piscicultura é apontada como a provável vilã. No caso atual a repercussão e ainda maior devido ao peixe em questão ser o tambaqui, amplamente cultivado na região, e à força das redes sociais virtuais. Devido à grande quantidade de comentários sem fundamento, conhecimento ou lógica nas redes sociais decidimos escrever essa matéria.
As redes sociais comentam e espalham notícias de interesse ou curiosidade em escala mundial, nacional, além de ter uma força muito grande de geração de opinião local. Essa força vem do fato que todos podem contribuir, inserir novos fatos e dar opiniões sobre qualquer acontecimento. É uma mídia totalmente democrática. Entretanto, esse caráter aberto e fácil de inserir ideias também tem seu lado ruim. Toda e qualquer pessoa pode dar opinião sobre qualquer coisa, não precisa ser perito, conhecer o assunto, saber do que se trata, nem mesmo estar levando a sério o debate do qual participa. Nesse meio várias tomadas de decisão erradas podem ser recomendadas por pseudo entendidos, com base em conhecimento algum.
Essa semana o relato de três novos casos de rabdomiólise no Amazonas causaram grande repercussão no facebook. Dentre os diversos comentários infundados o que mais se repete é o que a culpa é da piscicultura. Comentários do tipo “A piscicultura causa doença”, “o peixe de cativeiro faz mal” e “é por isso que só como peixe do rio” aparecem repetidamente. Até novos “dados técnicos” são apresentados por pessoas sem conhecimento técnico algum, como: “Isso é devido ao hormônio que usam na ração”, “é por causa dos químicos que dão pro tambaqui comer”, “a água parada da criação cria veneno” e mesmo que “o tambaqui de viveiro faz mal de acordo com o tempo de cozimento”. Surgem até novas “interações medicamentosas”, como a afirmação de que “o tambaqui de viveiro faz mal se for cozido junto com pimenta de cheiro e batata...”. Ao mesmo tempo surgem pessoas que brincam dizendo que estão com “o bucho cheio” de tambaqui e que passam bem, e que quem não quiser pode mandar seus tambaquis para a casa deles. Uma coisa é séria e importante. É preciso deixar bem claro, tambaqui de viveiro não faz mal à saúde! Não existem hormônios nem “químicos” na ração do tambaqui! As águas dos tanques não criam veneno ou toxinas! Piscicultura não causa doença, muito menos a rabdomiólise.
A rabdomiólise pode ter muitas causas: interações medicamentosas, picada de animais peçonhentos, consumo de álcool ou drogas, choque elétrico, excesso de exercícios físicos, diabete, contaminação por bactérias, etc. E existe também a relação com o consumo de peixes, chamada de doença de Haff. A doença de Haff é causada pelo consumo de peixes que adquirem uma certa toxina em sua carne. Não se sabe direito a origem essa toxina, ela pode ser produzida pela proliferação de grandes quantidades algas tóxicas existentes na água dos rios e lagos, ou por ingestão de sementes de plantas venenosas. A rabdomiólise causada por ingestão de animais que comeram plantas venenosas é até mesmo descrita na Bíblia, no êxodo. Quem é “caboquinho” da região mesmo, criado no interior, sabe que o tambaqui come uma infinidade de frutas e sementes e que sua carne muda de acordo com o que ele come, podendo ficar amarga quase incomível. Mas tudo isso são conjecturas. Sabemos apenas duas coisas sobre a doença de Haff: Primeiro, sabe-se que o aparecimento da doença de Haff geralmente está associada aos meses mais quentes do ano. Em segundo lugar, ela nunca, em nenhum lugar do mundo, foi relatada em peixes provenientes de cativeiro, somente em peixes provenientes de ambiente natural. A piscicultura mais uma vez não é a vilã.
A piscicultura fornece tambaqui para os consumidores de nosso Estado há mais de duas décadas. E se você acha que o tambaqui de cativeiro pode ser achado somente nos grandes supermercados, uma surpresa: Até mesmo bancas de peixe e feiras livres são abastecidas pela piscicultura há mais de 10 anos. A cada 10 tambaquis consumidos no Amazonas, cerca de 9 são provenientes do cativeiro. Caso a piscicultura parasse de uma hora para outra nós ficaríamos sem tambaqui. Sem tambaqui! Se você comeu tambaqui essa semana agradeça aos criadores de peixe. Agora que você já sabe disso é bom deixar claro que não é aceitável prejudicar todo um setor produtivo que fornece o tambaqui para as nossas mesas com boatos de que o peixe de cativeiro faz mal ou que a piscicultura é uma coisa ruim. Nesse exato momento existem internautas sugerindo que a piscicultura devia ser proibida por que ela causa doença e que “devemos parar de comer tambaqui”. Vocês imaginam o amazonense deixando de comer tambaqui?
Vale lembrar que as três senhoras que sofreram de rabdomiólise comeram um único tambaqui pescado em um lago próximo à Itacoatiara. Peixe proveniente da natureza. Mesmo assim não podemos recomendar que seja evitado também todo peixe da natureza devido a um único tambaqui que fez mal a alguém. Um único tambaqui. Será que o peixe estava contaminado ou foi a condição sanitária com a qual foi manipulado? As principais bactérias que aparecem em locais de manipulação de alimentos com pouca higiene, Streptococus e Salmonella, também causam essa síndrome. Muitos internautas comentam a precariedade na qual vêem a venda de peixes na nossa região e questionam se o problema não é esse peixe no sol sem gelo ou a sujeira do local onde é colocado para venda. Vale a pena pensar “será que nesses meses mais quentes, a deterioração do tambaqui e o crescimento das bactérias nocivas é mais rápida?!”. Por outro lado a rabdomiólise também pode ser causada por consumo de álcool e por excesso de exercícios físicos. Vamos parar de tomar cerveja?! Vamos deixar de ir às academias?! É necessário que não prejudiquemos toda uma cadeia produtiva de produtores de insumos, piscicultores, vendedores, mercados e restaurantes sem o conhecimento total dos fatos. Pensem bem, alguns comentam nas redes sociais que acabaram de comer tambaqui e acham que estão passando mal... se estivesse mal mesmo estaria digitando num debate online ou internado em um hospital? Bom... Não sei vocês, mas essa matéria deu fome. #Partiu comer um “tambaca” na brasa.
Roger Crescêncio, Eng. de Pesca, Pesquisador da Embrapa.
Antônio Cláudio Uchôa Izel, Zootecnista, Pesquisador da Embrapa.
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